DEUS


Antes que pudesse ser amor,
fora qualquer outro sentimento além.
Isso se houver neste canto onde vivemos
algo que possa superá-lo,
e se houver a existência desse, ou de outro.
Jamais obtive coragem
para mostrar a nenhum outro ser
habitante do mundo,
as chagas que carrego junto a mim.
Minha alma é doente, é faltante.
É submissa aos martírios banais
de uma matéria sádica,
que não supre às necessidades
primordiais do espírito.
Ah, sempre fostes o único capaz
de livrar-me a alma das dores de sua doença,
distraías tão bem a minha carne
que ela não percebia quando a alma fugia
pra um mundo melhor.
Tu eras capaz de nos tornar um, correspondentes.
Nos dominava e fazia de nós santificados.
A trindade mais pura que pudesse haver.
Corpo, alma e espírito, santos.
Dentro de nós, curava-nos.
Afastava as mazelas.
E se porventura foste mais fundo,
na cavidade obscura que era a ponte entre um estado e outro,
tornava-se soberano.
Tua onipotência me enchia de graças,
expulsava o diabo que fazia-me hospedeiro,
libertava meus demônios,
cicatrizava meus estigmas.
Dentro de mim ergui altares e louvores a ti,
enfeitei-me com velas para que não houvesse
lado interior que não conhecesse,
rezei teu terço de olhos fechados,
boca entreaberta, e suspiro ofegante,
e mais rápido que qualquer outra divindade,
tu me atendestes, estendendo o teu corpo por cima do meu.
Tornaste-te, então, a minha religião.
O meu homem.
O meu deus.


Frederico Brison.

Um comentário: