ODE AO LEITOR


cada palavra que gero no cruzo dos meus dedos
já nasce criminosa e sentenciada a viver perpetuamente
dentro dos olhos que as sugam pra dentro.
na madrugada em que os verbos são rasgados 
dos versos estimados que crio, morro.
é lastimável correr todos os becos imundos do mundo
enrolado no meio de um par de palmas fechadas,
úmido pela saliva do boca a boca em que sou transferido
pra outros suspiros de moças virgens e apaixonadas.

isto nem é Ode,
não sei regrar domesticamente o que sai de mim,
mas a intenção com que é feito tem grande valia,
definir-me entre poema, conto ou poesia
é condenar-me à forca de ser catalogado numa estante da
Travessa.

eu escrevo, só isso, prezado leitor.
não o faço pra ninguém que não seja eu,
e se todos me são, a culpa não é minha.
conheci milhares que juravam ter dentro de si as mesmas dores,
mas qual é a diferença entre uma e outra?
todas elas doem, algumas mais, ou menos, mas doem, afinal.

eu escrevo, só isso.
não pra que me reconheçam,
mas pra que eu possa me conhecer
ou reconhecer-me,
já que não tenho certeza se um dia eu soube quem era.
quero me ver de fora, estampado feito um fútil
na cara do próximo,
no sorriso, 
no ladrar inteligível do cão que me olha com desprezo.

é notável a incoerência que cansada de mim suicida-se
no meio das minhas parábolas íntimas sobre amores,
horrores, alegrias esperançadas e minhas palavras.
quem não se cansa de um escritor que mente verdade?
eu me canso de mim.
e sem a (in)coerência que já se sepultou
também me suicido,
pulo do vigésimo andar do meu prédio
e subo de elevador pra dormir o dia já amanhecido,
e assim são todas as noites em que eu escrevo.

porque escrever é morar na queda livre que vai em direção
pro infinito que é cada leitura,
é mudar constantemente de casa, de pálpebra,
pular de vista.
e eu escrevo, só isso.

Frederico Brison.

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