MUMIFICADO


nunca consegui deixar de ser este corpo retilíneo e fútil
destinado a ser epígrafe de si mesmo, ainda que nada fosse.
da janela pra fora,
existem multidões de cadáveres vivos e mortos,
todos destinados a serem comida do mundo,
a boca voraz que engole tudo o que deveria ter sido
e jamais pode ser.
os lábios ásperos e duros que engolem inclusive o que foi,
e num súbito segundo de descuido é mastigado
como se fosse fácil degustar a carne amarga,
que dissolve na língua os sentimentos
podres e insensatos que perdendo a vida, a ganham.
somos mãos dadas que nunca mais voltaram,
dentes que sorriram juntos,
e se desencontraram no meio desta coisa toda,
olhos fechados por mentiras e lágrimas,
somos ofego insuficiente que esvazia e seca pulmões.
não me condene por ser frio
e não senti-lo,
eu sou o que tornei-me quando ainda éramos,
sou a guerra que você venceu.
sou o morto mais vivo que alguém em vida conheceu.


Frederico Brison.

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