MICRO-TEXTO I

Eu tinha um nome, mas isso faz tempo. Hoje tenho vários, um pra cada um, um pra cada eu, pra cada outro que aparece. Cada pessoa tem um modo preferido de nomenclaturar, depende de quem estarei sendo e com quem estarei. Com o tempo aprendi a ser mutável, com o tempo aprendi que com o tempo nada se aprende, nada se supera, só se perde o tempo que se perdeu esperando algo mudar. Você senta, pensa, ouve o tiquetaquear do relógio e pronto, perdeu! Nada mudou, ninguém voltou, nenhuma porta abriu, mas o eco dela se fechando, batendo estrondosamente, ainda está por aí. É assim que eu estou, ecoando e perdido. Tipo a porta. Tipo o tempo.

Frederico Brison.

DIÁLOGO DIACRÔNICO I

- Você consegue escrever o que não sente?

- Moça, falo de muitos outros fingindo falar de mim, sou mais observador do que escritor. É claro, já tive e mantenho tendo minhas angústias, essas transcrevo com maior desenvoltura. O que pesa na verdade é quem deixei de ser, perceba e saiba que não sou quem aparento, esse nem mesmo é o meu nome. Sou autor, sou ator, construí esse personagem e criei a ele amores e dores, portanto não se trata de viver o que não sinto e sim viver do que imaginei e criei para sentir.

Frederico Brison.

ÓSCULO

A boca suja,
que beija com olhos de meias verdades,
cheios de vaidades inteiras.
Compromete a elucidação das palavras
que me acariciam fases e faces
rubras e evanescidas.
Que esconde carreiras de dentes manchados,
num sorriso contrastado e ocultado
por um par de lábios negros e maduros,
que por estarem fechados para os que de fora o desejam,
encontram-se abertos para os que desejados intimamente por mim,
se deitem no oco do eco da boca e cubram-se de língua
e juras caladas, que jamais ousariam ser pronúncia,
por temor de serem abatidas por tuas mordidas,
que arrancam pedaços de vidas e de amores,
antes que se possa viver ou amar.
A boca limpa,
que beija e cala, sorri e mata,
que fecha e fala, assopra e morre,
silenciosa e vazia.

Frederico Brison.