DEZ MIL NOITES PASSADAS

de repente quando se fez noite como em todo fim de dia faz,
para que os olhos dos homens bons se assemelhem aos dos homens maus,
e a escória mendicante se leiloem ao domínio de satanás 
em troca de vida farta e bocetas pros seus paus.
fazia-se junto a noite e da penumbra que dela provinha,
os desejos carnais que em mim ascendiam,
trepavam em meu raciocínio e ensurdeciam a razão.
das vontades nasceram as ruas,
os transeuntes e os bares da minha cidade,
é na vontade que tudo nasce,
construir exige querência,
a destruição sim, é involuntária e silenciosa,
se faz sozinha e quando dar-se conta o que nasceu em vontade já tonou-se inexistente.
eu caminhava em passos curtos e retos como sempre faço,
passava por becos escuros com a certeza de ser invisível,
e por querer, era.
os passos detrás pela culpa de terem sido por pura ganância da minha alma de querer que fossem,
redimiam-se prostrados a querubins e desfaziam-se em penitência aos meus pecados,
olhando o caminho que já havia sido passado, nada se via,
não era por causa do escuro da noite, e sim pela ausência de ser,
tudo é enquanto é, depois de ser deixa de estar e passa a passado quando menos se espera.
eu ainda era porque nascia prematuro em cada pisar novo,
e ia morrendo, deixando partes minhas soltas em cada canto do mundo.
ia em destino aos amores que viriam,
às pessoas que seriam avistadas,
habitantes de seus próprios atalhos, que se por sorte não fossem desfeitos pelo tempo,
se cruzariam com os meus, tornando-os férteis de novos destinos.
o homem veio retilíneo,
seguia-me de frente,
propositado a atravessar-me sexos e vidas,
chalaceava em sorriso os trejeitos que eu tinha.
dedilhar o vento, estalar os dedos três vezes por minuto, esquecia que já o tinha feito.
eu descia o olhar,
descia tão baixo a ponto de fecha-los sem propósito,
ocultar a mim mesmo minha própria visão parecia-me melhor que encará-lo.
a esperança de o ter durante o eterno,
diminuía junto a distância que acrescia no tempo que tudo validava.
próximos e estáticos burlava-se o tempo,
confundíamos deuses e demônios,
que espectadores invejosos dos prazeres humanos,
perdiam a hora em seus onanismos precoces cheios de gozo.
éramos amantes divinos,
pornô onipotente de nossos senhores,
fodidos e mal pagos,
satisfeitos somente pelo fato de sermos.
e na ânsia de sermos mais,
íamos da estatização à correria num ímpeto,
idealistas e pensantes, crentes fiéis das mentiras absolutas,
confiantes que de mais perto, compartilhando corpo e alma,
em cópula infindável de júbilo perene, seríamos eternos.
e na ganância de sermos mais,
caminhou-se escrupulosamente,
e no rumos que nos traria, nos perdemos.
andou-se demais, passamos de nós.
olhando pra trás nada se via, e não era por causa do escuro da noite.
apodrecemos em inexistência, já era dia amanhecido.

Frederico Brison.

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